"- Não são uma ligas que vão afligir a senhora condessa, criatura! Quero a Maria Severa aqui ao Campo Grande antes das aves-marias, ouviste? Virem Lisboa do avesso, façam o que for preciso, que das 250 mil almas que por aqui apodrecem nesta Corte, alguma há-de ser ela. Ponham-ma aqui sem demoras. Há contas que tenho a ajustar com a pequena. (...)
Raça de mulher! Dou-lhe cómodo, roupa lavada e trago-a bem nutrida para que me aconchegue as noites, me encha os salões e me envaideça com aquela voz rouca e baça, safa que é ser ingrata!"
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O Fado, 1910, de José Malhoa, retrata o fadista Amâncio e Adelaide da Facada |
Maria Severa Onofriana nasceu a 26 de julho de 1820 na rua da Madragoa, atual rua Vicente Borga, nº 33, na freguesia da Estrela, onde a sua mãe tinha uma taberna. Com apenas 26 anos morreu de tuberculose, a
30 de novembro de 1846, num miserável bordel na rua do Capelão, na Mouraria, tendo sido sepultada no Cemitério do Alto de São João, numa vala comum. Consta que as suas últimas palavras foram "
Morro, sem nunca ter vivido".
Na Mouraria, na rua do Capelão, encontra-se atualmente o "Largo da Severa".
A sua casa está assinalada com uma placa onde se pode ler "
Nesta casa viveu Maria Severa Onofriana / Considerada na época a expressão sublime do fado / Faleceu em 30-11-1846 com 26 anos de idade / Lisboa 3-6-1898". A placa foi descerrada por
Amália Rodrigues.
No dia em que passam 176 anos da sua morte,
divulgamos o livro que conta a história do romance proibido
entre D. Francisco de Paula, o conde de Vimioso e Maria Severa.
Lisboa, meados do século XIX.
Nas ruelas de uma cidade suja e vibrante, cruzam-se dois mundos quando a noite cai. Na Mouraria dos marujos, dos rufiões, das mulheres de má vida, as tabernas enchem-se para acolher os filhos enjeitados da cidade. Vão à procura de consolo, um regaço pago, tinto e fadistagem, rixas e navalhadas. Vão eles e vão outros, nobres, embuçados, em busca do fruto proibido. Longe do São Carlos, onde a música é outra, e as damas e as joias legítimas, longe dos seus palácios nas Laranjeiras ou no Campo Grande, mergulham no mundo sórdido e apaixonante onde se canta e bate o fado.
E ninguém o canta e bate melhor do que Severa, filha de cigano, filha de meretriz. Do pai herda o tom de pele, o sangue quente; da mãe, a triste profissão e as artes de prender os homens. E são muitos os que a visitam, mas só um lhe deixa marca. D. Francisco de Paula, o conde de Vimioso.
Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade Nova de Lisboa. Foi professora de Português e de Inglês, criou a primeira escola de Inglês em regime extracurricular para os mais novos e trabalhou como copywriter em publicidade.
A partir de 2000 dedicou-se à escrita de romances e de livros infantis, depois de ter colaborado como cronista na revista Pais & Filhos em 1994 e na Xis, editada com o jornal Público em 2000.
O Fado da Severa é o seu quarto romance histórico.
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O Fado de Paula Rego, 1995 |
" O fado soava como coisa estranha aos ouvidos de quem, pela primeira vez, o escutava, lembrando uma modinha, a fofa e o fandango, num alvoroço vadio que ia direito ao coração, que agitava e surpreendia. Eram muitos os que o estranhavam, outros sabiam-no de cor - ao fado e à Severa".
A 27 de novembro de 2011, o Fado foi declarado pela UNESCO Património Cultural Imaterial da Humanidade. Foi a primeira expressão artística a ser declarada Património Imaterial da Humanidade em Portugal.