maio 20, 2022

AS VIÚVAS DE DOM RUFIA

"A rua estendia-se de gente. A fila das viúvas havia-se dissolvido no todo da multidão, assim que as gentes saíram de casa para a rua, mas logo que o cortejo arrancou voltou a unir-se, muito junta, como se fossem todos da família do morto. As viúvas de Dom Rufia iam juntas, algumas de braço dado, esquecendo a vergonhosa briga de instantes antes. Enchiam os lenços de desgosto, pensado, certamente, nos bons momentos que haviam passado com o falecido ou na paixão que ainda lhe tinham. Domitilia, Acélia, Joaquinita, Maria de Jesus, Cremilda, Mariana, Antónia do Preto e até Armindinho Costureira, vestido de viúva, cercaram a pobre tia, Maria Teresinha, e seguiam logo atrás do esquife."


Um romance irresistível e cheio de humor
cuja ação decorre no Alentejo no início de século XX e com personagens
 fascinantes e inesquecíveis 
é a nossa sugestão de leitura de fim de semana 




Conhecido por Dom Rufia desde moço, Firmino António Pote, criado sem recursos numa vila alentejana, promete a si mesmo tornar-se rico. Negando-se à dureza do trabalho do campo, divide durante anos a sua sobrevivência entre o ócio e alguns negócios frugais. Mas, já nos trinta, munido de assombrosa imaginação, bonito como poucos e gozando de uma enorme capacidade de persuasão, sobretudo entre as mulheres, lobriga várias maneiras de alcançar o seu objetivo, fingindo continuamente ser quem não é. Para isso, porém, é obrigado a viver em vários lugares ao mesmo tempo, dando a Juan de los Fenómenos, um velho chileno em busca de proezas sobre-humanas, a ilusão da ubiquidade.
Quando o corpo sem vida de Dom Rufia é encontrado no meio do campo, a recém-empossada Guarda Republicana não imagina as surpresas que o funeral reserva. O aparecimento de uma estranha carta assinada pelo tio do morto é só o princípio da desconfiança de que ali há mão criminosa.



Carlos Campaniço nasceu em Safara, no concelho de Moura em setembro de 1973.
É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses, pela Universidade do Algarve, onde obteve também o grau de Mestre em Culturas Árabe e Islâmica e o Mediterrâneo.
Os seus romances de época têm-se centrado nas comunidades e vivências rurais alentejanas, nas sociedades estratificadas de então e no seu imaginário coletivo.

Para além do romance que hoje sugerimos como leitura para o seu fim de semana, o leitor poderá requisitar outro romance do autor, Mal Nascer, que foi finalista do Prémio Leya em 2013 e galardoado, em 2014, com o Prémio Mais Literatura da revista Mais Alentejo.




"Até que o padre perguntou se alguém queria despedir-se dos restos mortais de Firmino. Maria Teresinha fez-lhe um pranto comovente e beijou-o demoradamente; o tio Homero deu-lhe um beijo na testa sem dizer palavra, mas muito trémulo de mãos; Cremilda, que estava próxima, deixou o braço do marido, e também o beijou, depois Acélia, depois Domilitia, depois Mariana, depois Maria de Jesus, depois Antónia do Preto, depois Joaquinita, depois Armindinho, sem coragem pública para o beijar, fez-lhe uma festa nas mãos que se cruzavam em cima do peito"










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