setembro 25, 2013

ANTÓNIO RAMOS ROSA, 1924-2013


EM QUALQUER PARTE UM HOMEM
 
Em qualquer parte um homem
discretamente morre.
 
Ergueu uma flor.
Levantou uma cidade.
 
Enquanto o sol perdura
ou uma nuvem passa
surge uma nova imagem.
 
Em qualquer parte um homem
abre o seu punho e ri.
 
                                                                António Ramos Rosa, in "O Grito Claro", 1958
 
 
 
 
Faleceu em Lisboa, no passado dia 23 de setembro, aos 88 anos, o poeta e ensaísta António Ramos Rosa, um dos grandes nomes da literatura portuguesa contemporânea, autor de quase uma centenas de títulos.
Prémio Pessoa em 1988, recebeu ainda quase todos os mais relevantes prémios literários portugueses e vários prémios internacionais, quer como poeta, quer como tradutor.
 
Caro Leitor, veja Aqui, para recordar a vida e obra de António Ramos Rosa.
 

 
Poema dum Funcionário Cansado
 


A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada 
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só
In, O Grito Claro, 1958
 
 
Trabalhou algum tempo como empregado de escritório, experiência que o inspirou para este célebre poema, incluído no seu livro de estreia e que ainda se mantém atual.


 
 
Vivi tanto
que já não tenho outra noção
de eternidade
que não seja a duração da minha vida
 
                                                                                    In, Em Torno do Imponderável, 2012 
 
 
 
 

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