junho 14, 2019

RETRATO DE PORTUGAL E DO MUNDO VISTO POR UM AUTOR DIFERENTE DE UMA FORMA DIFERENTE



No passado dia 8 de junho foi apresentado, por Cruzeiro Seixas, na Feira do Livro de Lisboa, o terceiro volume das obras completas  do escritor surrealista português Mário-Henrique LeiriaManifesto, Textos Críticos E Afins é, segundo a editora E-Primatur, um "retrato de Portugal  e do mundo visto por um autor de uma forma diferente".


Mário-Henrique Leiria (1923-1980) é, segundo a sua editora, o "expoente máximo do surrealismo português, foi um obreiro das literaturas alternativas, quer como escritor, experimentalista sempre, brilhante eternamente. Autor de culto, é certamente uma das vozes mais originais e invulgares das letras lusas do século passado".




Mário-Henrique Leiria nasceu em Lisboa em 1923. Frequentou a escola de belas Artes, donde saiu apressadamente. Entre 1949 e 1951 participou nas actividades da movimentação surrealista em Portugal. Depois começou a andar de um lado para o outro. Teve vários empregos, marinha mercante, caixeiro de praça, operário metalúrgico, construção civil (não, não era arquitecto, carregava tijolo), etc., pelas terras onde andou: a Europa cristã e ocidental, o Mediterrâneo norte-africano, o Oriente médio e até, dizem, os países socialistas. Não ia aos Balcãs porque tinha medo, todos lhe diziam que lá os bigodes eram enormes e  as bombas estoiravam até no bolso. Um dia teve que passar por lá. Os bigodes eram realmente grandes, mas toda a gente sabia rir. Tirou o casaco e bebeu que se fartou.
Em 1958 meteram-lhe ideias na cabeça e foi até Inglaterra, para aprender coisas. Não aprendeu e voltou. Entre 1959 e 1961 foi casado e não fez mais nada. Em 1961 foi para a América Latina donde voltou nove anos depois. Por lá, conseguiu ser, entre outras actividades menos respeitáveis, planejador de stands para exposições, encenador de teatro e até director literário de uma editora. Fizera progressos. Agora está chateado, vive em Carcavelos e custa-lhe muito andar.
Tem colaborado em várias revistas e jornais nacionais e não só. Está publicado em algumas antologias, tanto aqui como no estrangeiro. Este é o primeiro livro que tenta publicar em Portugal.
Realmente, está muito chateado. (1973)


A Biblioteca Municipal possui,
 para empréstimo domiciliário,
 os dois volumes dos Contos do Gin-Tonic.





TORAH

Jeová achou que era altura de pôr as coisas no seu devido lugar. Lá de cima, acenou a Moisés.
Moisés foi logo, tropeçando por vezes nas lajes e evitando o mais possível a sarça ardente.
Quando chegou ao cimo, tiveram os dois uma conferência, cimeira, claro. A primeira, se não estou em erro.
No dia seguinte Moisés desceu. Trazia uma tábuas debaixo do braço. Eram a Lei.
Olhou em volta, viu o seu povo aglomerado, atento, e disse para todos os que estavam à espera:
- Está aqui tudo escrito. Tudo. É assim mesmo e não há qualquer dúvida. Quem não quiser, que se vá embora. Já.
Alguns foram.
Então começou o serviço militar obrigatório e fez-se o primeiro discurso patriótico.
Depois disso, é o que se vê.
In, Contos do Gin-Tonic



A Leitura ideal de fim de semana para acompanhar o seu gin-tonic




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