Se passares pelo adro No dia do meu enterro Diz à terra que não coma Os anéis do meu cabelo
de, Anéis do meu cabelo, canção de Mariza
Mariza teve a ousadia de mexer nos santos do altar, um pecado que os espíritos mais conservadores nunca lhe perdoaram. Nuno Galopim, jornalista e crítico de música, justifica assim a distância que existe entre Mariza e o mundo do fado. "A forma como vestiu o fado, a cor, o cabelo, a atitude, tudo isso chocou de frente com essa ideia do fado higienizado que muitos consideravam ser o autêntico." Mariza recuperou o lado festivo que Amália também interpretava em palco e fê-lo viajando pelo flamengo e pelo mundo da música brasileira. "Apesar de Ó Gente da Minha Terra ser o seu tema emblemático, também sabe cantar a terra dos outros que, no fundo, acaba por ser a sua nesta sociedade global em que vivemos. Tudo aquilo faz sentido."
Para os mais tradicionalistas, Mariza continua a ser uma figura suspeita. "Não é unânime e ainda bem porque dos unânimes não reza a história." O musicólogo Rui Vieira Nery identificou, logo à partida, uma série de condições muito hostis ao sucesso que se adivinhava desde a primeira hora. "Mariza sempre fez questão de cultivar a diferença, de criar uma certa distância que lhe foi devolvida pelo meio do fado. Ela nunca quis ficar no circuito tradicional da casa típica, do disco ocasional, do espetáculo de fado à antiga. Tinha uma confiança muito forte no seu talento, tinha outras ambições e nunca as escondeu."
Quando canta uma canção, é uma cantora. O que acontece é que ela foi entrando no mundo do fado por um caminho que é o dela. Quando canta fado, canta com aquele poder muito forte que vem de dentro, um poder africano.
Carlos do Carmo
Mariza dos Reis Nunes cresceu entre dois continentes. Dentro de casa estava em Moçambique, a terra onde nasceu, com a sua cultura, a sua música, a sua culinária. Mal saía à rua, mergulhava nas ruelas da Mouraria, na Lisboa antiga, no mundo do fado.
A convivência com dois universos tão diferentes moldou de forma indelével a sua personalidade como mulher e como artista. E o seu amor pela música, aliado ao dom de interpretar todos os géneros com a mesma alma, fizeram de Mariza uma cantora e fadista com tal arrojo e originalidade que, duas décadas depois de ter iniciado a carreira, continua a ser recebida em êxtase nas grandes salas de espetáculo de todo o mundo.
"Gostava de ser recordada como alguém que tentou, com o maior orgulho,
pôr Portugal na história da música do mundo."
Mariza
Mariza, os amigos, a família e os músicos revelam-nos neste livro a mulher fora do palco, sem saltos altos nem vestidos de renda, com a mão que costumamos ver a agarrar o microfone segurando com força a do seu filho.
E esse livro, uma biografia de Mariza escrita por Dina Soares e editado pela Oficina do Livro,
pode ser requisitado na Biblioteca Municipal.
Dina Soares, é jornalista desde 1987. Licenciada em Comunicação Social pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalhou em diversos meios de comunicação social, entre os quais os jornais Expresso, Diário de Lisboa e Semanário, na TVI, onde fez parte da equipa fundadora, e na Rádio Renascença. Foi por culpa de um curso sobre como escrever uma biografia, no Cenjor, e também devido ao gosto por contar histórias, que chegou até este livro, que é a sua primeira biografia.
"Mariza não é uma fadista convencional,
é uma cantora excecional, extraordinária."
João Braga
Na Warner Music Portugal é Paulo Miranda quem trata dos discos de Mariza. O poder conquistador da artista começou por o conquistar a ele. "Eu não gosto de fado, gosto de Mariza. Até a conhecer, achava que o fado era muito chato, uma coisa dos meus pais." Bem mais difícil de cativar do que ele próprio, conta Paulo Miranda, era Napoleão e Mariza foi bem-sucedida. "Havia uma reunião anual da EMI em Madrid onde estava sempre o chefe máximo da empresa para a Europa, um francês com um péssimo feitio que tinha a alcunha de Napoleão. Sempre que lhe apresentávamos músicas novas, ele ouvia uns segundos e ordenava logo que se passasse à seguinte. Nesse ano, os meus colegas levaram o fado Ó Gente da Minha Terra, na interpretação do Concerto de Lisboa, que tem seis minutos e vinte segundos. Estamos a falar de uma pessoa que consumia música de todo o mundo e que tinha muito pouco tempo. Quando a faixa acabou, ele ficou em silêncio e disse: "ponham outra vez".
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