Lisboa, Chiado, anos 1950 |
"Pode-se dizer que a coisa tinha começado mais ou menos vinte anos antes.
Foi no Chiado. Em Pleno Chiado. O esticão tinha sido tão forte que se estatelou no chão, desamparada. O fio de ouro com a cruz de brilhantes tinha sido arrancado pelo ladrão que se pisgou com tal velocidade que o pessoal circundante tinha parado a olhar, olha o gajo, parece o Zatopek. (...)
Foi assim que Amélia conheceu Amadeu Silveira, um jovem e promissor agente da PIDE, sob a capa de um funcionário da Companhia Colonial de Navegação. Com cartão-de-visita e tudo. Tinha 31 anos, era alto e, se quisermos percorrer a descrição da personagem com um paleio meio vulgar, tinha ombro largo. O que destoava daquilo tudo era o coxear. Ligeiramente, mas coxeava. Um joelho filho-da-puta".
Pós-guerra. Num Portugal cinzentão, de costumes apertados como coletes-de-forças, uma jovem tem um encontro acidental com um agente da PIDE por quem se apaixona. Foi no Chiado que tudo começou.
A paixão, e subsequente abandono, terá consequências.
A vida recomeçará com outos contornos num outro lugar.
À medida que o tempo vai passando, acompanhamos, através das vidas que o livro acolhe, o bater de coração deste país, que só em Abril de 1974 se irá reencontrar consigo mesmo.
Passam perante os nossos olhos as décadas de 50, 60 e 70, com todo o seu arraial de vivências, acontecimentos, tropeções, guerras, músicas, cantores, ruturas e renascimentos.
As personagens, com todos os seus dramas, alegrias e tristezas, vão-nos contando o que era viver neste Portugal asfixiado pela mais velha ditadura da Europa.
Alice Brito nasceu em 1954 em Setúbal. É advogada, defensora da causa feminista e cronista em periódicos on-line.
Em 2012 publicou As Mulheres da Fonte Nova, o seu primeiro livro. Seguiu-se, em 2015, O dia em que Estaline encontrou Picasso na Biblioteca, que pode ser requisitado para leitura domiciliária.
A Noite Passada, o seu terceiro romance, e que hoje sugerimos como leitura para o seu fim de semana, aborda pela primeira vez o 25 de Abril e os meses intensos que se lhe seguiram. Mas não só. O Portugal do pós-guerra até à revolução também é narrado, sobretudo ao nível do quotidiano das suas personagens.
Um romance marcante sobre um país e uma família ameaçados pela ditadura.
Porque a história também se escreve nos recantos mais improváveis.
Bom fim de semana com boa leitura
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