maio 22, 2013

PARABÉNS NUNO JÚDICE


DICÇÃO
Vou falar em português,
com cada vogal no seu lugar, dita
com toda a clareza,
uma de cada vez. Assim,
não comendo os és nem os is,
e pondo cada ó, aberto
ou fechado, dentro da sílaba
que lhe cabe, o português
fica com os pontos nos is,
para que o ouvido perceba
o que é dele,
e quem o escreva saiba
que a letra escrita
não vai ser letra morta
na boca
de quem lhe abra a porta.
                                                                                                           Nuno Júdice
 
 

 
No Dia do Autor Português, a Biblioteca Municipal dá os parabéns a Nuno Júdice,  que foi no passado dia 16 de maio, galardoado com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, que reconhece o conjunto de uma obra de um autor vivo, cujo valor literário constitui uma contribuição relevante ao património cultural Ibero-Americano.
O galardão, atribuído pelo Património Nacional e pela Universidade de Salamanca e dotado com 42.100 euros, celebra este ano a sua XXII edição e é considerado o mais prestigiado deste género no universo Ibero-Americano.
 
 


Poeta, ensaísta e académico, nasceu a 29 de Abril de 1949, no Algarve, em Mexilhoeira Grande.
Licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa e obteve o grau de Doutor pela Universidade Nova, onde é Professor Catedrático, apresentando, em 1989, uma dissertação sobre Literatura Medieval.
Foi nomeado, em 1997, Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal e Director do Instituto Camões em Paris, cargos que exerceu até fevereiro de 2004. Publicou antologias, edições de crítica literária, estudos sobre Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa e mantém uma colaboração regular na imprensa. Foi o responsável pela Língua e Cultura Portuguesa, na organização do Pavilhão Português, na Exposição de Sevilha, em 1992, bem como pela área de Literatura, na Sociedade Portugal-Frankfurt, em 1997. Organizou a Semana Europeia da Poesia, no âmbito da Lisboa 94 - Capital Europeia da Cultura.
Exerce uma atividade regular de crítica e ensaística literária, quer no âmbito das atividades universitárias, quer em jornais, como o Expresso e o JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias. Foi Diretor da revista literária Tabacaria, editada pela Casa Fernando Pessoa.
É um dos responsáveis pelos Seminários colectivos de tradução de poesia, que se realizam duas vezes por ano no Palácio de Mateus, no Norte de Portugal, e membro permanente do júri do Prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus.
 


Lusofonia
rapariga: s.f., fem. de rapaz; mulher nova; moça; menina; (Brasil), meretriz.
 
Escrevo um poema sobre a rapariga que está sentada
no café, em frente da chávena do café, enquanto
alisa os cabelos com a mão. Mas não posso escrever este
poema sobre essa rapariga porque, no Brasil, a palavra
rapariga não quer dizer o que ela diz em Portugal. Então,
terei de escrever a mulher nova do café, a jovem do café,
a menina do café, para que a reputação da pobre rapariga
que alisa os cabelos com a mão, num café de Lisboa, não
fique estragada para sempre quando este poema atravessar
o atlântico para desembarcar no Rio de Janeiro. E isto tudo
sem pensar em África, porque aí lá terei
de escrever sobre a moça do café, para
evitar o tom demasiado continental da rapariga, que é
uma palavra que já me está a pôr com dores
de cabeça até porque, no fundo, a única coisa que eu queria
era escrever um poema sobre a rapariga
do café. A solução, então, é mudar de café, e limitar-me a
escrever um poema sobre aquele café onde nenhuma rapariga se
pode sentar à mesa porque só servem cafés ao balcão.
                                                                                                   Nuno Júdice
 


 

A sua estreia literária deu-se em 1972 com A Noção de Poema. Em 1985 recebeu o Prémio Pen Clube, e em 1990 o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus. Em 1994 a Associação Portuguesa de Escritores, distinguiu-o pela publicação de Meditação sobre Ruínas, finalista do Prémio Europeu de Literatura Aristeion. Assinou ainda obras para teatro e traduziu autores como Corneille e Emily Dickinson.
Nuno Júdice recebeu ainda o Prémio de Poesia Pablo Neruda e o Prémio da Fundação da Casa de Mateus.
Em 2004 recebeu o Prémio Literário Fernando Namora, pelo romance O Anjo da Tempestade , e em 2005, foi a vez de receber o Prémio Cesário Verde "Consagração", pela sua obra O Estado dos Campos.
Em 2007 foi galardoado com o Prémio Nacional de Poesia Ramos Rosa.


Até ao fim
Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjetivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe.
                                                           Nuno Júdice


 
Foram três os poemas de Nuno Júdice que vos  deixamos aqui. Os outros, bem como os seus romances,
o leitor poderá encontrá-los
na sala de leitura da sua Biblioteca.

 
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