"Há véus que escondem o outro lado do espelho, são o reflexo das imagens dos que ousam rasgar as sombras desocultando a luz aos caminhos vindouros. Os verdadeiros rios são os que se confundem com a inteligência, os que levam a bom porto as naus nas correntes invisíveis. Esses rios colam-se às margens, são férteis em história e abraçam as utopias, desaguam nas bibliotecas e dormem connosco. A Marinha Grande é uma paleta de encontros felizes, de Geografia e Arte, de inovação e resistência. O Rei visionário deixou a
Catedral verde e sussurrante, aonde a
luz se ameiga e se esconde
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do mar (...)
Afonso Lopes Vieira
Um Rei poeta e visionário, um poeta que eleva ao gótico o Pinhal do Rei.
As juras de amor acontecem onde a natureza inspira os impulsos da paixão, onde a poesia encontra os aromas e a paisagem é a casa dos prodígios. São Pedro de Moel fica onde as arribas escarpadas enfrentam o "gemido das ondas" e Dom Miguel e Dona Juliana se confessaram às flores rosas e perfumadas. O sol que abria os olhos rente ao mar, curvado ao horizonte, escrevia o destino das viúvas. Escreveu-o quando a justiça implacável do rei D. João IV condenou o Duque à morte. A jovem Duquesa regressou a São Pedro de Moel para reencontrar os lugares onde foi feliz, as flores rosas e perfumadas, cúmplices de longos passeios junto ao mar e chamar-lhes: Saudades.
Com o mar ao fundo, o poeta Afonso Lopes Vieira (1878-1946), comprometido com a Renascença Portuguesa, encontrou, em São Pedro de Moel, na "Casa Nau", a varanda criadora.
Casa Nau - São Pedro de Moel |
Um espaço privilegiado onde recebeu Vitorino Nemésio, Viana da Mota ou Aquilino Ribeiro. O poeta solidário deixou a "Casa Nau" aos filhos dos operários vidreiros, para que se transformasse numa colónia de férias, para que as crianças respirassem a tranquilidade inspiradora e descobrissem na casa do poeta as palavras soltas com que teceu sonâmbulos passeios. O mar podia ser um brinquedo gigante onde se modelava a areia, como os sonhos "entre as mãos das crianças". Guilherme Stephens misturou o sonho e a areia e fez a indústria vidreira: fundou a Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, no século XVIII. A capital do vidro foi também a capital do movimento operário, da consciência ideológica sob o arco da liberdade desenhando flores contra a II República. Quando os jardins ainda não tinham a terra e os lagos eram poças de chuva, o sopro de esperança era anarquista e a bolha de vidro um pulmão de gente."
In, Viagem Inadiável da Água
de António Vilhena e José Vieira
Edição Águas do Centro Litoral, S. A.
"Este não é um livro de viagens, mas permite-nos viajar; não é um atlas de lugares, mas dá-nos a possibilidade de reencontrarmos nomes e paisagens do imaginário coletivo; não é um livro de História, mas é impossível ignorá-la. Viagem Inadiável da Água é o encontro de todos os deslumbramentos possíveis, das pequenas coisas que convivem com pessoas e recantos que o narrador captou. Pode dizer-se que é uma tentativa de olhar o belo que o passado deixou visível.(...)"
António Vilhena (autor)
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