março 08, 2018

A PRIMEIRA ELEITORA



"Aquilo que hoje é banal era ontem inimaginável ou uma utopia de sonhadores. O século XIX, época de grandes mudanças, foi a época em que o movimento feminista conquistou as suas primeiras grandes vitórias, estimuladoras de muitas combatentes dos Direitos da Mulher. O direito ao voto foi concedido, pela primeira vez na História (que se saiba), em 1869, no Wyoming, EUA, enquanto o sufrágio feminino universal surgiu apenas em 1893, na Nova Zelândia. O ritmo, inicialmente lento, acelerou-se no início do século XX, antes da Primeira Guerra Mundial. Em Portugal, Carolina Beatriz Ângelo deixou a sua marca nessa longa luta, embora mais simbólica do que prática.
Nascida na Guarda, em 1877 ou 1878, sem ser bela, era uma mulher de feições simpáticas e risonhas. (...) Quando entrou num liceu misto na Guarda, em 1891, pertencia a um grupo muito restrito: em 280 alunos, somente dez eram raparigas. Carolina Beatriz Ângelo é conhecida como a primeira médica diplomada de Portugal, mas nem sempre a reputação e a realidade convergem: a honra já pertencia a Augusta da Conceição de Andrade, formada na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, em 1889. (...) Não sendo aceitável uma mulher despir-se diante de um homem sem laços de parentesco, escolheu uma especialidade onde os homens não podiam queixar-se de lhes roubar o lugar, precedendo muitas médicas muçulmanas modernas - tornou-se ginecologista.


"Nós somos feministas, mas muito femininas."



Aderiu à Liga Republicana das Mulheres e, em 1907, à Maçonaria, tornando-se mestre eleita do Rito Francês em 1910, sob o nome de Ligia. Militou entusiasticamente a favor da educação da mulher, da legalização do divórcio e da educação infantil. (...)
A nova lei eleitoral desiludiu muitas mulheres: o direito de voto era reservado aos cidadãos maiores de 21 anos, chefes de família e capazes de ler e escrever. Nenhuma menção ao género sexual.
Carolina Beatriz Ângelo requereu nos tribunais o direito de votar, alegando preencher as condições legais, incluindo a de ser chefe de família, definição aplicável a viúvas com filhos, como era o seu caso. (...) O caso foi publicitado pela imprensa, incluindo as suas refutações relativas ao "eterno argumento" sobre as mulheres não possuírem educação suficiente para se envolverem na política. Se um homem analfabeto não podia votar devido a tal motivo, porque razão uma mulher pertencente à minoria letrada e universitária era excluída do mesmo direito? (...)
Carolina Ângelo foi votar no dia 29 de maio de 1911, no Clube Estefânia, na atual Freguesia de Arroios. Um gesto público e observado, qual ritual religioso, terminando em aplausos gerais. (...)

"Eu não vejo porque seremos menos mulheres se nos tornarmos 
economicamente independentes do homem".



O grande feito de Carolina Beatriz Ângelo foi o seu canto de cisne, pois morreu de ataque cardíaco em 3 de outubro de 1911, aos 34 anos, falhando por pouco o primeiro aniversário da República. (...) 
Ora, as enormes esperanças desfizeram-se em cinzas quando foi enunciada a Lei Eleitoral de 1913:o direito de voto exigia requisitos como ser-se do sexo masculino. Contudo, assim como a corrente de um rio não pode ser invertida, a luta continuou a obter novos sucessos, estimulados pelo crescimento da mão de obra feminina devido à Primeira Guerra Mundial, apesar do sufrágio geral feminino ter sido alcançado somente logo após o 25 de abril de 1974. A médica sufragista não mudou a sociedade, mas forneceu um símbolo para as gerações futuras, exemplificador do valor da persistência."
In, 100 Heróis e Vilões que Fizeram a História de Portugal, 
de Pedro  Rabaçal








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