novembro 26, 2012

AFINAL O QUE IMPORTA NÃO É A LITERATURA


PASTELARIA

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola de peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora!- rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
                                                                            Mário Cesariny




Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu no dia 9 de agosto de 1923 em Lisboa. Pintor e poeta, frequentou o Liceu Gil Vicente, o primeiro ano de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e a Escola de Artes Decorativas António Arroio, além de ter estudado música com o compositor Fernando Lopes Graça.
Durante a sua estadia em Paris em 1947, frequentou a Academia de La Grande Chaumière. Foi em Paris que conheceu André Breton, cuja influência o levou a criar no mesmo ano o Grupo Surrealista de Lisboa, juntamente com figuras como António Pedro, José Augusto-França, Vespeira, Moniz Pereira, Cândido Costa Pinto e Alexandre O'Neill.  Este grupo surgiu como forma de protesto contra o regime político vigente e contra o neo-realismo. Mais tarde, fundou o Grupo Surrealista Dissidente.


As primeiras exposições surrealistas datam de 1949 e 1950 e nelas Cesariny expõe algumas das sua obras. Na década de 1950, Cesariny dedicou-se à pintura, mas, também e sobretudo, à poesia que escrevia nos cafés. O seu editor era Luís Pacheco, com quem se incompatibilizou nos anos 70. Foi também durante esse período que começou a ser incomodado e vigiado pela Polícia Judiciária, por "suspeita de vagabundagem", obrigado a humilhantes apresentações e interrogatórios regulares, devido à sua homossexualidade.
Só depois do 25 de abril de 1974 deixou de ser perseguido.


Nas suas obras, adotava uma atitude estética caracterizada pela constante experimentação e praticou uma técnica de escrita e de pintura muito divulgada entre os surrealistas, designada como "cadáver esquisito", que consistia na elaboração de uma obra por três ou quatro pessoas, num processo de cadeia criativa, em que cada um dava seguimento, em tempo real, à criatividade do anterior, conhecendo apenas uma parte do que aquele fizera.


"Há palavras noturnas, palavras gemidas, palavras 
que nos sabem ilegíveis à boca, palavras diamantes, 
palavras nunca escritas, e há palavras impossíveis 
de escrever, por não termos connosco cordas e violinos"
                                                                                                                      Mário Cesariny



Da sua extensa obra literária, destaca-se o seu trabalho de antologista, compilador e historiador (polémico) das atividades surrealistas em Portugal. 
Mário Cesariny vivia com dificuldades financeiras, ajudado pela família. A sua escrita não o sustentava financeiramente e, em meados de 1960, acabou por se dedicar somente à pintura, como modo de subsistência.
Na década de 1980 a sua obra poética foi reeditada pelo editor Hermínio Monteiro e redescoberta por uma nova geração de leitores.


"A poesia de Cesariny, intrinsecamente original, dispensa a pontuação e parece que é pontuada, de tal forma é rigorosa a sua prosódia. Usa termos coloquiais e neologismos. Citações e frases. É muito divertida. É inteiramente livre."
                                                               Pedro Mexia

Em 2005, recebeu as duas únicas distinções da sua carreira:
  • O Grande Prémio Vida Literária APE/CGD, pelo conjunto da sua obra
  • A Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, que lhe foi entregue pelo então Presidente da República Jorge Sampaio

A 26 de novembro de 2006,  pelas 22H30, Mário Cesariny morreu de cancro da próstata, de que sofria havia anos. Doou em vida o seu espólio à Fundação Cupertino de Miranda e, por testamento, deixou um milhão de euros à Casa Pia.


Acredita na imortalidade?
Não sei. Quando lá chegar, eu telefono (risos)...
                                     Mário Cesariny, última entrevista a Vladimiro Nunes


O leitor quer ficar a conhecer Mário Cesariny?

AQUI encontrará bibliografia, 
que poderá requisitar para empréstimo domiciliário.



Boa Semana 



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